domingo, 13 de setembro de 2015

Vampiro de Guarapuava














20:55 – a praça.

20:57 – a igreja.

20:59 – o demônio.

Cenário mais que ideal para a última oportunidade do crime. E eis que se trava o diálogo. Acusa-me de covardia, mas advirto: psicologia antirreversiva a essa alturas é um tanto infantil. Mostra-me o punhal tingido de escarlate, tentando intimidar. Tudo bem, respondo, tenho reservas a sangue. Passo por fraco e ouço os risos de zombaria. Recuo, trafego cambaleante pela praça e a estranha presença, sem que eu note, se desfaz como fumaça.

22:37 – a praça, a igreja e eu.

Vampiro por que se recusas a fazer sua vítima¿ Vampiro por que desprezas a tradição¿ Vampiro não é de sangue que vives, despeja o superego afrontas sobre mim. Enraiveço, tomo forma e parto para o último voo naquele lugar. Avisto os precipícios e cavernas. Vejo a senhora de boa família encontrar-se com seu amante. Vejo o cabaré com aquelas ilustres presenças taciturnas frequentadas pelos amigos de boa fama e quase vou lá. Vejo a beata, julgar as cenas que eu acabara de ver. Vejo a representação dos personagens que retornam para suas casas, beijam seus íntimos e no dia seguinte insinuam comportamentos reacionários e suas índoles moralistas. Mimetizo.

00:01 – a praça e a igreja.

Prefiro a luz que desmancha. Prefiro as cinzas que restaram do sol que, de imediato, cegou os meus olhos. Voo e tomo destino. Um século depois, ei de retornar, mas o passeio já não será tão manso e divertido em meio aos arranha-céus que hão de surgir na aldeia vigiada.


PS: O amor é mais forte que a morte (Drácula de Bram Stoker).

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Mojave, o silêncio, Mojave

A espada está fincada no coração do Mojave, na porção norte, no local conhecido como vale da morte. A localização exata do instrumento, deixado lá em dezembro de 1978 por um ex-combatente americano do Novo México na Segunda Guerra, pertencente desde 1952 a uma certa tradição mágica, me foi revelada através de sonho. Sei exatamente como chegar à espada, mas, desconheço ao certo qual o sentido de resgatá-la e possuí-la. No momento em que esses detalhes cruciais tomariam a cena, despertei assustado e já atrasado para um compromisso importante. Tenho pensado muito nisso e, para ser sincero, tão somente nisso. Intuitivamente e, é claro, tentando remontar o enredo onde findaste naquele início de manhã chuvosa de terça-feira, tenho que a espada não  pode ser possuída por muito tempo e, tão logo se preste a libertar de alguma forma o coração ferido que sonhaste com ela e com seu exato paradeiro, precisa ser deixada em outro lugar misticamente significante debaixo do sol, preferidamente em outro deserto. Somente assim, afinal, o sonho poderia continuar a se retransmitir com a garantia de que a espada estaria lá a espera de outro escolhido para desfrutar de seu poder curativo, desde que, evidentemente, fosse apanhá-la e tivesse coragem suficiente para lançar a sua lamina sobre seus sentimentos mais profundos no intuito fiel de, em seguida, devolvê-la, com alguma prudência, ao destino, quer dizer, a algum dos tantos Mojaves pessoais espalhados pelo mundo afora.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Licancabur

Vulcão Licancabur, Laguna Verde e Eu. Bolívia, 8 de janeiro de 2014

Se o vento me levar mais ao norte do mundo, eu irei
Se me levar mais ao sul, irei também
Leve-me para longe do Licancabur irresistivelmente impossível de ser frequentado, para as prainhas mansas onde o ar não me falte e eu possa redescobrir o prazer das trilhas que levam aos elevados menos imponentes e ofegantes, mas leve-me...

sábado, 6 de junho de 2015

A ciência como princípio organizador da vida

Há um preço a ser pago por recusar-se a viver segundo as performances teatrais imperantes no mundo do senso comum. Mas há também ganhos. Uma coisa que descobri ao ser tomado pelo habitus sociológico através de um lento trabalho de investidura sobre mim mesmo é que até as relações sociais ditas desinteressadas possuem como fundamento real de sua existência diferentes espécies de interesses. Para simplificar, eu diria que simplesmente inexiste um ideal romanesco de pureza nas relações sociais, inclusive, as mais afetuosas, íntimas e instintivas. Quantas dores e decepções pouparíamos se, ao invés de depositarmos nossas esperanças e confianças nas relações que socialmente constituímos, tivéssemos uma atitude desmagificada e racionalizada sobre essas mesmas relações? Que menos trágico poderia ser, à humanidade, viver para além do princípio organizador da barganha que sempre pressupõe vantagens e/ou desvantagens! Que mais econômico seria, no sentido utilitarista de menor dispêndio da energia emocional e corporal, doar algo – tempo, atenção, bens e, até mesmo, sentimentos – sem esperar algum tipo de retorno explícito, imediatista e concreto? Não faço, evidentemente, apologia a nenhuma das doutrinas religiosas que conhecemos, pois até elas funcionam com base em um sistema ardiloso de interesses e recompensas. Falo então de um pragmatismo ferrenho, difícil às vezes de ser praticado, mas que, por força maior da reflexão levada às últimas consequências, nos livra ou, no mínimo, nos alerta das trivialidades, das falsidades, das ilusões e, talvez, dos perigos do medo. É, deveras, como construir um muro ao redor de si, mas que, por mais paradoxal que pareça, ao invés de aprisionar, liberta e protege do cinismo dos atores, daquilo a que chamam inveja e de toda espécie de lixo emocional acumulado na história dos seres humanos. Soa tudo isso meio pessimista, é passível argumentar. Acusar-me-iam, talvez, com o bordão: “Você perdeu a fé no ser humano!”, mas tão depressa eu responderia: “Não é uma questão de fé, mas de experiências acumuladas ou, quem sabe, um pouco de falta de sorte para ser provocativo e não desmistificar tanto”. Há consequências, terríveis para o hiper-sociável e melancólicas para o antissocial viver assim e organizar sua existência segundo essa via possível, mas até que eu me convença ou me convençam do contrário, prefiro não arriscar por nada aquilo que de mais íntegro até hoje pude construir: a consciência das coisas que a experiência diária revela ao espírito atento e que não tem medo de ser original ou tentá-lo ser.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Da necessidade de escrever

















            Porque não posso ser feliz, então eu escrevo...
Escrevo sobre pássaros, pois eles podem cruzar os oceanos
Escrevo sobre brisas, porque o calor já não posso suportar
Escrevo sobre montanhas, pois talvez o topo seja uma ilusão
Escrevo sobre as horas, para que não perceba o quão lentamente passam
Escrevo, vez ou outra, sobre aquilo que precipitadamente chamam social
Sobre cidades, da tediosa até a mais cheia de luz
Sobre o ritmo frenético e dor de estômago
Sobre posses, conquistas [essa coisa de reconhecimento]
Escrevo, inclusive, sobre os detentores de tais posses e conquistas
Sobre o corpo que exibe o corpo e se resume a corpo
Sobre a alma que fustiga a alma
Sobre o olfato
Escrevo sobre as mil preces que nunca fiz
Sobre a música mais fútil que tocou na última balada
Escrevo sobre quadros e até sentimentos
Sobre a solidão que me faz escrever
Sobre as paixões que nunca tive
Escrevo sobre os amigos que me restaram
Sobre a quarta dose de uísque
Sobre o demônio pessoal
E sobre o trágico dia em que me dei conta que existia
Escrevo sobre a covardia
Sobre os livros que até hoje não acabei de ler
Sobre os finais impossíveis
Sobre o evitamento
Escrevo para devolver-me das circunstâncias
Quiçá, decifrar-me um pouco
Mas quanto mais me envolvo nisso
Na dispendiosa tarefa de lidar com as palavras
Mais me distancio do que queria
E do desejo que escapa ao mísero ato de escrever

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Sobre a desvantagem de não ser igual a todo mundo

Realmente, o preço a pagar por recusar-se a viver em plena sintonia com o espírito da época é alto. Talvez o melhor mesmo a fazer seja ser “normalzinho” e medíocre, fingir ser legal e pagar a hipocrisia na mesma moeda. As pessoas felizes, na maior parte das vezes, fazem justamente isso e por não se darem conta do que fazem é que, no final das contas, conseguem ser ou se perceberem felizes; e isso lhes satisfaz. Nos dias de hoje – ou talvez sempre tenha sido assim–, já não há mais espaço para valorizar as pessoas pelo quão interessantes e singulares são. O que conta nas vãs filosofias de nosso tempo, é a ditadura da aparência e as possibilidades que o materialismo traz. Veja, por exemplo, como se constroem os laços de amizade. Parece que só nos aproximamos dos outros pelas potenciais vantagens que representam para nós ou pelo quão digno de respeito são aos nossos olhos em razão da estética que apresentam, da posição que ocupam na sociedade ou do conhecimento que possuem. Pensando bem, prefiro perder-me na solidão de meu mundo idealista a viver essa ética da hipocrisia afetiva, se bem que às vezes é tentador fazer como quase todo mundo – excetuando alguns espíritos livres – faz. 

terça-feira, 12 de maio de 2015

A 30 km por hora

E minha segunda mente não para. Preciso desviá-la ao deserto, onde o barulho do vento distrai, onde a areia cega os olhos que não querem parar de te ver, onde o calor aquece a solidão do destino e a alma cresce.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Devolução




Ah, fui vagando, fui vagando
E, de repente, parei em mim
Como ingrata surpresa, não pude ver mais nada
Não ao menos sem forçar as articulações ou os nervos
Só enxergava [ou só convinha enxergar] quando, por ventura, caminhava
Mas quando ficava estático e mudo
A imagem me era usurpada
Talvez porque não pudesse lutar
Ou talvez porque não quisesse saber
O quão duro era estar ali
Diante de si mesmo
Sem cores, muros ou abismos
Para cercear a experiência
De olhar no espelho da alma
E refletir, não sobre questões
[Sim, as grandes questões do tempo]
Mas acerca da remota possibilidade
De devolver-se a si mesmo
Sem intransigências e meia-culpa
Com uma voz baixinha sussurrando:
Las Vegas Strip te aguarda, meu caro!
Era uma estranha sensação
Provisória
Às vezes, frívola e assustadora
Ah, mas aprendi a suportar

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Ser visto como vencedor ou bem-sucedido do ponto de vista do "ele" não impede e desautoriza que do ponto de vista do "eu" próprio alguém se veja como malsucedido e, portanto, perdedor. O significado ou falta de significado que atribuímos a vida de alguém só podem ser devidamente dimensionados da perspectiva de seus próprios sentimentos. É algo então quase impossível de ser objetivado (apropriações eliasianas em noite melancólica de segunda-feira).

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Sendo superficial

Ah, como a superficialidade nos rouba vida. Ela nos mata
para nós mesmos e para os outros. Raro é quem consegue escapar
à sua inevitável sentença: o amargo prêmio de viver sem jamais poder
experimentar a sublime leveza inelutável de ser.
O sujeito superficial está em toda parte, mas o triplo sentimento que o
motiva não muda de feição: a inveja que devora, o orgulho que acorrenta e
o medo que, de tão estagnante em sua velha engrenagem, já não o posso sequer suportar.
Nesses últimos dias, ao pensar nisso, fui menos superficial do que encontrei
pessoas embriagadas de uma estonteante superficialidade em ser.
Fui inoportuno visionário e imaginei, por um instante, a possibilidade de retribuir
segundo a moeda vigente, mas já não tinha troco.
Estava em beco sem saída e minha margem de ação havia quase se extinguido.
Senti-me frio, despido da boa razão que, por ventura, permitia-me naufragar no abismo
da sensatez que eu nunca tinha tido.
Ah, mas em um terço de tempo ela voltou soberana.
Novamente tinha razão em não esperar nada de altruísta da superficialidade de tantos,
inclusive dos menos distantes e secretamente alvos de importância e afeição.

PS: tenho dificuldades em externar meu reconhecimento e admiração; por isso os faço secretos e me torno também demasiado superficial.